29 de nov. de 2018

neste mundo


do seu jeito
cada um vai vivendo
uns só vendo
outros vindo
e fazendo
do seu jeito

28 de nov. de 2018

riscos amenos


meus companheiros de ofício
são o vento e o remo,
nenhum dos três forjados.
nosso trabalho é arriscado
e ninguém conversa.
o risco é rasurar o mar.

[asfalto é imperativo
em todos os seus signos.
não há avisos
no império do mar.]

há um outro companheiro
[hospedeiro, não de ofício]
a me arremedar em tudo
que eu digo e a pôr tudo
em risco e a rasurar todo
o silêncio embutido.

desse companheiro
[meu vazio]
nunca corro o risco
de ser deixado
[falando]
sozinho.

27 de nov. de 2018

para voo, asas


amor é águia
que nasce das asas
já em pleno voo.
nada tem de galinha
nem passa por fases
ovo pinto galeto.

gente, sim, cresce e cresce
pra alcançar paz.
rastejar nesses plantados
campos de batalha
é querer viver
em pé de guerra.

delay


ainda não descobriram jeito
de assistir ao céu em tempo real.
já é um grande equívoco por si só
o uso desse termo tempo real.
          [no estádio ou nas tevês,
          antes do próprio gol,
          sempre há quem grite gol.
                    é só um exemplo.
                    eu não vejo futebol.]


                    hoje eu te vi.
quase sempre eu te vejo,
nunca em tempo real,
          [nem toda luz é tão veloz, tem
          vez que é proposital a demora.]
e se você corresse
e se chegasse mais cedo,
acho que conseguiria pegar também
o restinho que eu vi de você.

26 de nov. de 2018

a cor do que faço


em meu desdomínio,
duas artes:
escrever e plantar.

hábil na escrita de sementes miúdas
—mesmo analfabeto nos grãos—
vou plantando nomes.

nomes próprios, sim,
dos que designam
gente que come, dorme, sonha...

sou um enterrador de nomes
e os enterro como quem enterra sonhos
de seus próprios donos

só pra deles esperar ver crescer
num pequeno tratado de vida
qualquer coisa da cor verde.

24 de nov. de 2018

o plágio


avancei apenas um passo

—protocolo quebrado
exército acionado
diplomacia abalada
minha cabeça em cadeia nacional
e internacional—

para declaradamente
e, sim, descaradamente
plagiar em minha cara

—enquanto
caricato
teu rei discursava
e tu tiravas sarro da fala—

um sorriso teu.

fui acusado
de uso indébito.
mas não entendo:
nunca deixei de te dar
todos os créditos.

fica até parecendo
que estamos distantes



a apenas
um abraço de distância

23 de nov. de 2018

tu tens?


a respeito
de sua dureza
de seus hábitos noturnos
          chega a ser underground
de nada disso
tem culpa
o tatu

a natureza pneumática da fala


rasga meu peito
esta falsa fenda de passagens mornas
e não te ofendas se ao feri-lo
abrirem-se as comportas quentes
que represam a poesia que tanto cobicei
que sempre persegui
e que
devido a essa natureza pneumática de minha fala
agora frustrada
nunca mais alcançarei consentimento
do ar frio de teu respiro
pra te dizer

graves degraus


nunca mande à merda
quem se força à vida de bosta
sempre mande à fossa

22 de nov. de 2018

induzido


as pétalas
da flor
da foto
do quadro
do quarto
do meio
do meu caos
meu olho vê
vermelhas

mas flores têm mil cores
e a foto era em p&b

o teu cheiro é de única cor

ars est celare artem


tomo para mim
as dores

que me tomam
e me convenço
de que as venci

21 de nov. de 2018

liberdades constitucionais da palavra


gostava de te ouvir,
de perceber o trejeito da palavra
ao sair sotaqueando
por entre as pausas e pontuações
até chegar aos meus ouvidos
sem se dar conta
que do imenso labirinto
construiria um reino próprio,
onde à memória ditaria
que a hora certa
para a lembrança
seria a qualquer hora
e teria em si
total poder
de ir
ou vir.

marasmo


inequívoco mar
sempre acerta com a praia
nas manhãs de preguiça
em suas pedras
roçar

20 de nov. de 2018

acenos e cenas


será que sou eu?
será mesmo gente?
ou são personagens
povoando minhas telas
como miragens dormentes?

e por que
reprisam diálogos
e repetem esquetes?
atores e autor enfadados,
presos na minha maquete?

o problema pode ser
da solitária plateia que me fiz.
nem o palco nem o tema talvez
tenham saído de cena
nem a cena de mim.

18 de nov. de 2018

notas do que não faço


eu faço, mas sempre faço
de conta que não vejo, disfarço
e às vezes até desfaço

que é pra não fazer
ficar em mim
tanto embaraço.

não sou bom de laços.
sou quase nó cego
que se nota fácil.

dando cabo de mim


acabado
coração
inacabado,

quanto mais eu te defino,
mais eu te reduzo, me definho,
e acabo que não me caibo.

16 de nov. de 2018

a cara coroa


desquerer estar
ainda querendo
o status

sorte de noites


de tanto que buscam por dias
minhas ainda jovens mãos enrugadas sob as águas
remexem tudo, turvam tudo, neste fundo

no fundo só preciso de algo que me caia
como em pouso de asas recolhidas
demonstrando na vida
a decantação da própria sorte

mas às mãos
quando tudo se acalma
só sorte de noites me caem

15 de nov. de 2018

processo de cura do rio


nenhum sentido faz ser
grande paralisante definitivo
e declaradamente
não ter mais nada
a oferecer, ser intransponível
sem ser ponto de chegada

um ponto de chegada
o que oferece a ti
enquanto rio
senão oceanização do tempo
que deixa de correr
que passa a ser flutuação?

o tempo em ti ainda corre
e teu processo enquanto rio
está em descer
e quando não em contornar
e quando não em chover
até não saber que a chegada
chegou.

14 de nov. de 2018

água de cheiro


é assim em minha terra:
          o cheiro da chuva
          é quem inspira
          o cheiro das flores.
talvez agora entenda
todo o meu aguaceiro.

pálido


o mundo
este ponto ínfimo
no universo infinito
e nós ainda perdidos
sobre nossos destinos

point dos náufragos


saberá encontrar.

a gente que se perde
coabita sempre um mesmo mar
e quem desponta nesse ponto
sempre será um da gente.

uma hora qualquer e talvez
um encontro, a gente,
mais uma vez,
no nosso habitual
ponto de desencontro.

13 de nov. de 2018

v


18:25
na pressa eu disse 18:30
minha cabeça estava 5 minutos
na frente

fins


bastaram nossas iniciais
naquilo que seria um tronco
pra que até hoje esta sombra
eloquente em tudo quanto alcança
queira oferecer nossa história
como quem oferece um abrigo

balanço de uma vida social


comprei um robô pra capturar
belos momentos de vida
enquanto eu dormia

e eu dormi
e acabei por não ver
os belo momentos que não vivi

ser suficientemente pequeno
para caber no infinito
da menina
dos teus olhos

tapado


banido daquela voz,
talvez condenado a uma surdez,
o amor tapado já não ouve
o próprio coração
e por isso anda dizendo
que morreu.

12 de nov. de 2018

10 de nov. de 2018

as cheias


o cais do porto se enche
de barcos e de gente
só pra ver você
trazendo o mar

história do antes de tua mão


não havia tempo
e não havia estrada
por onde pudesse vir o tempo,
de forma que apenas voando
o tempo passava,
sem cansaços
porque, por falta de tempo
e sem a cartografia de tua mão,
não pôde ser inaugurado
o descanso.

9 de nov. de 2018


flores de plástico
também envelhecem
o olhar

consentido


como dois cães dialogam
com rabos, olhares e faros
sob a indiferença dos donos,

dores se cruzam
mas evita-se um toque.

autropeço


tomar vontade,
tomar as palavras,
tomar o meio
—a carta, o telefone,
o e-mail—
tomar fôlego
e se engasgar
deixando tombar
a coragem das pronúncias.

6 de nov. de 2018

matéria subversiva


há um reflexo de mim
nas coisas opacas que vejo.
isso diz muito (ou tudo)
sobre a matéria subversiva
daquela alma cristalina
onde eu me vi inteiro.

convite informal


na tua orelha
         eu brinco
nos teus cabelos
         me encaixo
em tua boca
         eu mudo.

de tua festa
         sou penetra
e quando adentro lá dentro
faço muito carnaval.

mas não invado, entro.
e só co’o dito cujo,
o devido convite informal.