31 de dez. de 2018

a potência líquida dos vulneráveis


que otimismos posso querer enxergar
depois de ter sonhado —logo hoje!—
com tsunamis imensos de sede
a arrastarem e sorverem tudo pela frente?

pelo menos este:

a poesia não consegue ser parida intacta
e pode acabar matando afogado
seu próprio ventre poeta
     —há otimismo nisso?—

mas é essa sua total vulnerabilidade
que a faz persistência
e a ela —poesia— ninguém sabe
como matar.

paquicardia


massa cinzenta ambulante
o elefante sabe tudo
de cor

mas esse nosso coração multicor
só devia lembrar das coisas
sem dor

30 de dez. de 2018

argumento fatal


já não tenho mais como caber
na falsa ideia de maturidade
—puramente adolescente—
desses amores birrentos
que andam desfilando à minha vista

como não tenho habilidades pra desfilar,
fico com a atitude
decidida
e por isso verdadeiramente madura
dos recém-nascidos:

abro o berreiro,
meu argumento fatal

sem esperas


somente calma
a noite sem esperas
sabe oferecer

diferente de quando havia a espera
e por isso também havia a agonia
e a luz do dia ganhava a corrida

a calma é companheira
boa na função de,
a cada gota,
desorvalhar a cara
pra dar cara ao dia

27 de dez. de 2018

deus não dá asas


não quero
a sabedoria do mar
que sabe tudo de avanços e recuos
nem desejo
a paciência do fogo
e sua abordagem diferenciada
para cada matéria que sabe consumir

só me basta
teu coração de vento
de novo

ou
um par de asas

a petulância de desabar
já tenho

à beira do rio
a abelha no mel
nascente

26 de dez. de 2018


dos aspectos mais ideais do amor
o homem ainda arde e sonha
—a despeito de todo seu cansaço—
por sua nítida
realidade

24 de dez. de 2018

a solidão de cada cor


deve haver alguma razão
na solidão de cada cor.

no ontem das cores poucas,
uma cor me pintou.
no hoje das cores muitas,
uma me borrou.

amanhã eu não sei e nem sei
até agora o quadro
que está sendo pintado.

cada grão de luz que me toca
—por alguma razão também solitário,
por alguma razão reservado a mim—
é quem sabe
e por isso nunca me deixe
sem cócegas.

23 de dez. de 2018

nômades fôssemos


nômades fôssemos,
sedentos de novos ventos,
tu e tua solta cabeleira,
eu, um teu bicho de montar,
seríamos itinerante casa do fogo
sempre novo
e galoparíamos mundos
nunca saindo
do mesmo lugar

assertivo


são todas numeradas
minhas tentativas.
minhas desistências
são sem-número.

asserto
em todas as vezes
que o silêncio me dá voo.

doublet no. 1


feio
veio
meio
medo
mero
zero
zelo
belo

a festa


a melhor festa se faz assim:
o anfitrião não sabe que é anfitrião;
o convidado não sabe que é convidado;
sem protocolo divulgado,
só a festa conhece seu ritual.

22 de dez. de 2018

inteiros e inteirezas


eu queria poder ter esses grandes números
que tanto te fascinam
só pra chamar tua atenção
e mostrar que tudo tudo é ilusão.

cem, mil, quinhentos mil,
milhões. são apenas marcos
com nomes bonitos.
bonito é saber
que até mesmo entre os mínimos
há um mar de grandes infinitos.

21 de dez. de 2018

19 de dez. de 2018

o desespero dos famintos


à pronúncia repetida do teu nome,
a boca demonstra desespero
e desejo pela matéria do teu corpo
como se o reconstruísse pelo sopro,
pela voz,
pelo a pelo,
poro a poro,
dispensando
um qualquer apuro,
só pra então
poder sorvê-lo
e rescindir em ti
a fundação da vontade dos famintos.

o lago das roseiras


fiz de um tudo para provar
que sou imperfeição.
tive êxito
e só ficaram comigo as coisas poucas
e suficientemente justas
com a condição que eu carrego.

a ternura do junco
é quem também me fornece força.
o mesmo toque de despertar da ave
me revela segredos do dia
sobre a beleza.

a beleza ainda persiste em sua vigília
e nada afeta seu senso de justiça.
cego sou eu
quando mergulho nas águas das rosas.

18 de dez. de 2018

valsa para somente dois pés


dança com folhas do chão,
com os pesos dos nãos,
mas mirando um talvez

talvez também é um vão
de onde os sonhos se vão
num compasso de três

ternos e trapos e um cão
e a ternura em duas mãos
coroando-lhe rei

em terra de coração,
quem não vê com o amor
se faz fora-da-lei

cor de sentir


se é certo que cega tanto
assim o amor,
não é muito pior estar cego
e as cem mil léguas da vida
ter que transpor
sem aquela mão guia
igualmente cega
mas que sabe dar cor?

veleidades


170 mil anos
chega a levar uma partícula de luz
para libertar-se do caótico corpo de uma estrela
desde seu centro até a superfície.

tudo é aparência
e toda aparência é necessária
pra tapar esse tanto de caos
onde a luz aparenta ser só um detalhe.

16 de dez. de 2018

plataforma


minha vida como uma caravana
a um par de pés ofertada
e a clara sensibilidade em discernir
o embarque do pisão

15 de dez. de 2018

13 de dez. de 2018

antegênesis


no princípio princípio mesmo
o que existia era um olhar
e uma pitadinha de coragem
para dele a palavra se soltar

da palavra que cala
ao olhar que fala
tudo carrega o gene solto
da atrevida liberdade

ter braço apto
     a superar a nado
     teu passado
          como a uma distância

     e a abraçar
     tua disposição ao presente
          desamarrado.

em nome de deus


alguém cujo incenso da própria vaidade
parece ter subido à cabeça
repetia sem parar
“o cara lá de cima
gosta bastante de mim”
e fiquei em dúvida
se de fato falava do céu
ou só só só
de si si si.

12 de dez. de 2018

fantasia


versinho inocente
pulando contente

quebrou seriamente a cara na poesia.

não sai mais de casa
nessa fantasia.

dez passos


esse expediente acaba com o poeta
caminhando lentamente a pé pra casa
com o glamour nenhum de seu ofício
sem vidros ou vitrines.

ser substituído é uma arte que dói
como tirar cacos dos pés
e ele entende a dor do dia que se vai preterindo.
por isso, passos ligeiros doeriam bem mais.

e esse expediente
acaba com o poeta.

logos


amor, esfinge e parasita,
tantas perguntas tuas em mim
criando em mim tua própria fome
por respostas que já tens
e, por maldade, não me dás.

responde ao que já sei
ou, por maldade também,
darei fim ao nosso assunto,
devolvendo a tua fome
e bloqueando a tua gula:
por que logo eu?
por que o meu nome?

11 de dez. de 2018


estão sempre ofegantes
minhas mãos à exceção
de quando tu as afogas

lago de areia


já às primeiras sedas do dia
          correm
como se fossem o próprio tempo
     como se de sua descendência se fizessem
          correm

mas a diferença é expressa:
o tempo nada busca
nada alcança
nada deixa

o caos visto é o remexido de mãos

tudo o mais é só ideia
     exceto este banco de fôlego
     menos a porta ao sol a pino
     atravessada no meio deste lago de areia
onde já deixei gotas de mim
quando fui tempo

9 de dez. de 2018


pra não expirar
tomar um ar
e atitude
um mínimo que seja

a divina vocação para vogal
requer passagens livres
ar sem obstruções
ainda mais nesses hi-

atos
atuais

atrás do vidro


depois da chuva
boquiabertos assistimos
ao denso torvelinho de mosquitos
atrás do vidro.

de impressionar
como todos os vidros
têm nos blindado
de nossos instintos.

não há vazamentos
que expliquem os barulhos.
minhas mãos estão vazias,
minhas palmas ainda estão legíveis
e limpas. pra tapar os ouvidos
cato as melhores palavras.

8 de dez. de 2018

dobras do tempo


o olhar ganha
com o tempo rugas
e é possível rever
a nitidez de passados.

a nitidez já vale
cada um dos sonhos
que nas rugas se apagam.

7 de dez. de 2018

red river of illusion


com uma eficiência que só baco...
o vinho consegue me levar
até às tintas límpidas de minha utopia
enquanto a realidade suja
--e abundante--
pacientemente me espera
pra ser lavada na pia

o templo de cortinas de missangas


preciso da praticidade desses monges
que não conseguem tudo o que querem
nem são vistos gastando tempo
com negociação de palavras certas.
se gastam então gastam muito
e tudo. e nem se gastam.

com escuta sempre insone
debulham com as mãos
seus rosários de dias
e
          —note só a praticidade disso—
despretensiosamente
esperam a sua vez de falar
pra só assim continuarem a dizer
com as mãos
tudo o que for grão.

5 de dez. de 2018

desconsiderações sobre espaços


no mesmo e único e micro solo
tínhamos na visão aquele céu
de antes do big bang
—um grande espelho para nós

          e nada pretendia ser desprezado

depois da tendência de tudo
em ser espaço inabitação e fuga
tarde demais para querer
desconsiderar toda a poesia
do universo

—e somente ela—
a amparar a todos
e a tudo preencher