31 de jan. de 2019

manual de pesca por benjamin franklin


toque em frente!
solte a linha!
debique!
cruze!

não é parado no mesmo lugar
que aquele raio lhe cairá
uma segunda vez.

clara evidência


abrigo que minha mão improvisa
para seus olhos
contra claridade tão intensa.

          o resto de mim a suspirar
          unicamente
          pelo frescor azul
          de sua sombra.

e até a luz
—ante a menor e mais ligeira
distância entre os nossos
          dois pontos—
acumulando preguiças
para cumprir o traço.

veja,
até a luz...

29 de jan. de 2019


para a perda fazedora de distâncias,
          distância!
perder-se é para um lugar chamado
          dentro do outro,
entre a febre
e o vocabulário da pele...

27 de jan. de 2019

bendita ave desocasionada


eu apenas exerço buracos,
nunca algo menos digno do que isto.
o futuro, sim, é quem faz
a digníssima colheita dos alcances.

por sua vez, o amor
—esta tão desocasionada ave—
continua sendo aquele muito primoroso
plantador de alturas.

     quanto mais convictas raízes tem,
     mais fluente em metros
     consegue se sagrar.

quem sabe então eu possa estar certo
ao pensar que os buracos na terra
têm lá suas feições de ninho...

pois agora eu quero exercer
—mesmo à visita das ocasiões incertas—
tudo que for a vontade das mudas!

26 de jan. de 2019

o plantador de alturas


                         para Flora

nada quero colher
de tuas mãos,
pequena,
a não ser teu afago à terra
e as alturas que o teu cheiro alcançará
— ambas coisas a me erguerem de mim.

bic fatal


a ignorância estabelecida
flexibiliza leis de proteção ambiental
pra só depois se dar conta
que está bem no meio
do meio
ambiente
tornado banal

25 de jan. de 2019

doublet no. 2


vida
vila
viga
vaga
vala
vale

aliens


sendo desta terra,
vivendo nesta terra,
com que sensatez
é possível poetizar amor ante
tanta gana
tanto sangue
tanta ira
tanta lama?

malícias


tanta cerca assim é
          proteção ou
curral?

não se encurrale,
faça um ringue,
lute!

nem se abata,
pegue a ponga,
fuja!

mais vale o jogo de cintura
de sutilmente se manter na luta
do que se perder por um cinturão

18 de jan. de 2019

epitáfio


quando some a fome de fama,
só a arte te aplaude.



          de arte
          ainda hoje
          morre-se.

missivistas


se tivesse que começar a chover
—como se começa uma guerra—
e dentre todas as outras fosse eu
a gota mensageira eleita para dar
o primeiro sinal e sabendo que tu
jamais anunciarias chuva dizendo
apenas "vai chover" e porque eu
quero demasiadamente que todas
as pessoas extasiadas com o teu
anúncio te associem para sempre
a tudo que diz respeito ao céu
então eu
escolheria bem
     a tua mão poeta
                         para pingar.

paradoxo da deficiência


toda ausência também é um corpo estranho
invisível para os anticorpos.

          completamente cegos,
          resta-lhes matar o que é visível.


assim nasce a saudade,
esta doença autoimune
          jamais catalogada.

17 de jan. de 2019

melisma sobre um milissegundo


tudo estreito
e vagarosamente
sendo.

uma ponte
a passar
sobre um rio
que nunca passa.

um rio
que por ser só fio
ainda está decidindo
se é mesmo mar que quer.

15 de jan. de 2019

a cama


o que são as idades
ante esta suspensão de tempo,
onde nossa juventude volta à soberania
e habilmente escapa
às rugas
destes lençóis tão inúteis?

ar no mínimo
frio em cativeiro
o inverno no cio

14 de jan. de 2019

distante do centro de tudo


quando deixei de ser barulho
e em tudo a delicadeza
fez-se ouvir

até o universo
          em curtas cirandas
deixou escapar
aquela voz de prisma
decorando os nomes das cores.

deus,
a brincar só,
          ainda criança.

ensaios sobre a gravidade (onde nem tudo é tão grave)


1.
das sementes de árvores
nascidas em árvores
algumas somente
têm por destino um chão

2.
a arte da árvore
vai consistir
—caso não saibam—
em para o alto levá-las

3.
quase todas as aves
dentre as nascidas em árvores
são as próprias sementes
de dispersão

13 de jan. de 2019

fogo espontâneo


eu poderia contar
os detalhes de nossa festa
mas quais são e onde estão
as palavras que tenham passado ilesas
pelo fogo espontâneo
de nossas danças?
para o tempo


passatempo bom é um passeio
b e m    l e n t o

jogos


quase sempre perco
—e estou sempre devendo.
quase nunca acerto,
por isso os chamo
de azar.

nem acredito
quando dou a sorte
de acertar

e acabo ganhando
bem mais do que devo

          rifa bingo loteria
          dados roleta
          poesia.

11 de jan. de 2019


deitar-se no leito do vento

ressignificar a natureza do voo

saber da ternura
          todo seu potencial de asa

10 de jan. de 2019

apreço


sei que preciso apreçar o meu passo
e sei que parado
ele não vale nada.

          de que vale a chegada,
          de que vale o caminho,
          perto de quem faz valer meu cansaço?

resta e convém apartar o que sinto
e apertar o meu cinto,
folgando alguns laços

que o carretel nunca foi infinito
mas inda é de graça
e sem pressa o compasso.

9 de jan. de 2019

satisfação marginal


amar pode ser bom, mas aquele sexo
indigente que consumamos
sob a marquise do banco
à sombra da fome
onde moramos
eu não sei
se é instinto
ou desespero
—eros se quiser
que dê alguma satisfação.

eu fino


já estou esparramado faz tantas horas
sobre estas finas areias azuis
que nelas já me sinto fino,
nelas já me tinjo azul.

sem vento,
sem areia no olho,
eu mesmo já não me olho
nem sei que horas são.

aqui nada mais acontece
e até parece
que o tempo acabou.

e eu já não pareço estar vivo
e vivo não pode estar
quem é pó
no seco abandono
desta ampulheta parada.

8 de jan. de 2019


shhhhhhh
no mar
o sol
se apaga.

marcação que não desmarca


toque-toque-toque
eu tamborilando
no meio da praça
do seu pensamento

toque-toque-toque
e você reclamando
culpando o relógio
pelo toque lento

toque-toque-toque
não sou tique-taque
quem toca lembranças
não tá preso ao tempo

nos rastros dos pilatos


pra todo indigesto
resto nosso de cada dia
a mosca imitava o mesmo gesto
crente que de nossos podres se livraria

7 de jan. de 2019

uma bravata diplomática


para este ano
me prometi
paz...

por isso,
venho aqui me render,
pra logo acolá eu mesmo me libertar.

agora é torcer
pra que esse impasse
não gere maiores conflitos.

mecânica da crise


eu já investi
ações
em minhas próprias aflições

e já sofri
          de alívios
                    em atraso

resumo:
até quando ganhei,
mais perdi
do que ganhei

6 de jan. de 2019

2 de jan. de 2019

nós sobre nós


enterrar algo
jogar algo pra debaixo do tapete do mundo
pode implicar também em plantar algo
dar a algo a suficiente chance
de ser eloquente, não antes
de seu silêncio ter feito
raiz

daí então o desconsolo contemplativo
de perceber o quanto é frutífero
o céu sobre nós
e o quanto há de terra
em nós mesmos

coaf coaf


um pigarro toma posse
bem no meio do discurso
de tosse