29 de mar. de 2019

quebranto


eu queria quebrar o silêncio.
não o de agora —irremediável—,
não com palavreados —ineficazes—,

mas o silêncio arquitetado,
que produziríamos
para nós mesmos quebrarmos

pelo sibilar de nossas pálpebras,
pelo tumulto da pele,
pelo desespero gritado dos pelos.

o silêncio de agora,
este sim,
é que nos quebra.

nu com a mão no bolso


sem saber
onde pisa

o homem
à frente

segue apenas com suas meias

verdades.

28 de mar. de 2019

pelo ar, pelo pelo


cante o amor,
mesmo sem saber cantar.
evite cantá-lo,
se acaso não quiser revê-lo.

fibrina


quando faziam hora
nos cascões das pequenas feridas,
nem sabiam exatamente o que faziam
as unhas de minha criança.

agora que sou feito de garras,
é incapaz de coagular-se
o fluxo de meus pensamentos,
expondo-me para visita às ardências
das minhas todas lembranças.

26 de mar. de 2019

encarnação da pedra


o que a faz sedimentar-se
faz, do mesmo modo, ela sangrar.
a mão que ao peito pousa e acalma e afaga
é a mão que desperta todo o magma.

25 de mar. de 2019

um lugar com seu nome


sem ter logrado qualquer êxito
é possível que tenha inventado
um não endereçável tipo novo
de logradouro

22 de mar. de 2019

o sorriso de einstein


aceitar e embarcar sorrindo
numa carona sem destino
de um grânulo de luz

e ver
de verdade
o tempo não passar.

21 de mar. de 2019

          folhas levadas pra casa
     tempos de chuva
formiga faz asa

ave noturna


vem e apanha os meus olhos,
agora que as noites serão mais longas.

porque a poesia é filha da não-palavra
e o adejo que eu desejo
em meu sentimento já está subscrito.

20 de mar. de 2019

a pluma e o aço


se tu não encontraste
entre a pluma e o aço
algo mais que um contraste,
ao teu olho-matéria
falta ver pelo espaço
a mesma aura etérea
que faz tecer abraços.

19 de mar. de 2019

ofertório


e tinha outro jeito mais ternurento
        de apagar as tuas pegadas
do que te ofertando asas?

18 de mar. de 2019

de cabeça


        recapitular
                 de cabeça
todos os passos a evitar
e todos os cuidados a tomar
para não cair uma segunda vez
naquele mesmo vão
de onde os pés podem provar
da perigosa textura das estrelas.

mas se atravessar esta vida
calculando passos e tomando cuidados
significa viver em vão,
então o melhor mesmo é cair.

     e que a queda seja
     inconsequentemente
     de cabeça.

17 de mar. de 2019

sou a chuva que, só
pra fazer graça em seu corpo
cinicamente desprevenido,
     antecipa o último dia
de verão.

ineditismo


à esperança
ninguém ponha
nome de gente
circunstância
             lugar

pra que ela venha
a se manifestar
 enfrente a chuva
a seca a flor a pedra

e na hora que ela escolher
 no local que ela estabelecer
ela lhe pronunciará seu nome
como se não fosse
a primeira vez

14 de mar. de 2019

não projetado


direcionada para mim,
a palavra apontada
como uma arma

dispara o silêncio
e nunca é o meu corpo
que abala.

13 de mar. de 2019

impacto


e você,
que não passa
de uma pequena existência passageira,
a depender de como passa,
                              não passa.

12 de mar. de 2019

de onde nasce a luz


nebulosa,
     nebulosa vida...

que o que ainda nos atrai
dissipe a turbidez de nossa vista
ao fazer em nós, um dia, ser parida

—nem que seja
pela única estrela
conseguida—

a suficiente
luz.

cinismo


nas igrejas,
os pássaros fogem
quando os sinos berram.

ultimamente,

deus tá
que com tudo
se apavora.

8 de mar. de 2019

2 disposições, 2 infinitos


manter-me aliado à sua luta,
   mesmo ainda tendo
   batalhas em mim pra vencer.

aprender a lutar como você,
   ainda que seja preciso
   de novo e de novo e de novo
   nascer.

6 de mar. de 2019

um lado


há um lago.
entre o teu
e o meu lado,

águas.
águas muitas,
comedidas

pela nossa
muito pouca
multidão.

abandono o lado
e dou vazão ao desapego.
abandono-me ao lago
e converto em farol a fogueira da aversão.

sob as lentes de camões


que é como também fico quando,
sonhando um dia capturar o umbigo
luminoso da via láctea,
me contento com as migalhas
do cruzeiro do sul
que minha cidade poluída em luzes
não sabe abafar de minha lente
pobre. eu me contento de contente
porque vejo cores e coisas
       que nu
o olho não vê,
mas sente arder.

4 de mar. de 2019

3 de mar. de 2019

outrossim


estar à altura de tua voz
mas antes ter, outrossim, o mínimo
da inexata ciência de tecer
dos versos a seda.
não para que te vistas,
não para que tu declames,
para que consintas.

2 de mar. de 2019


é insuficiente apenas evitar
o embaraço da lucidez.

necessário de fato é destemer
  a sedução do arrepio de estar
à encruzilhada das lembranças.

do pó ao pó


eu, que pra você não valho nada,
fui coroado rei de paus no carnaval.
e era tanta gente afim de mim
que no fim da festa
em meio a tantas cinzas
eu já estava entregue a seus cupins.

1 de mar. de 2019


             certo ele não acha
sem ter beijo e já ser príncipe
                      quando ‘inda coaxa