29 de mai. de 2019

cidadão


à entrada oeste da cidade
em bairro chamado portão
vivo só minha fronte acesa.

a noite é a minha cidade
a minha cidade é fantasma
cada hora um novo lugar

e é preciso dormir
nunca
pra ser cidadão.

7 de mai. de 2019

visto


de perto não vejo tudo,
de longe enxergo aquém.
por onde me movo me vejo;
quando não, sou ninguém.

argumentação


os grãos da palavra,
como em uma moenda,
à exaustão do pó.

com todo o pouco que soube
lógica ética ótica poética
argumentei.

sobrou-me
(e tive que guardar comigo)
o argumento mais letal
(letal para a questão,
mais letal para mim):
sobrou-me a dor.

e eu não pude expressá-la.
expressá-la em palavras não pude.
como de mim arrancá-la em palavras
sem que a dor desta dor
arrancasse minh'alma de mim?

6 de mai. de 2019

pra nada


para ornar as bordas
das fendas do corpo
que expõem-me a alma.
e em nada ocultá-la.

pra isso
e pra nada
que às linhas
redijo.

batalha feita apenas
de pretensos derrotados
não é guerra.
     não
     é guerra.

4 de mai. de 2019

o tesouro da espécie


nunca é nobre
uma rua chamada
coração.

não pode ser nobre.

mesmo em bairro
chamado de centro
ou tido por nobre,
há de sempre ser pobre

dado que sempre vai dar
em periferia, posto
que sempre dará num posto distante
onde eu nunca me sobre.

3 de mai. de 2019

dessubstantivado


tanto habituei-me
ao teu silenciar

que ao decretares formalmente
o teu calar definitivo

o meu ouvir já desnutrido
não te sabia assimilar.

2 de mai. de 2019

estocada de uma guerra vencida


brandia-me um florete
era contra mim que o brandia
dentro em mim mirava plantá-lo
por ser somente ao fundo
ao fundo do mais fundo
que aflora a brandura

jaculatória


pra cima se move
          atrás da água o tronco, mas
é ele quem chove