31 de jul. de 2019

apreensões


pela pedagogia de tua ternura
minhas vistas chegaram
à cor que precede o verde-novo
e ao lugar onde a fruta se oculta
antes de brotar.

fui apreendido por tudo.
nem tudo deu pra aprender
daquilo que ainda se vai revelar.

29 de jul. de 2019

até hoje


descobrir esta terra
e, até hoje, subjugá-la
e em tudo sugá-la.

massacrar o seu povo
e, até hoje, deixá-lo
de suas garantias
descoberto.

ninho inusitado
tramado num peito em palha
sortudo espantalho

28 de jul. de 2019

27 de jul. de 2019


pedaço do céu:
as ostras dão claras mostras
de terem o seu.

26 de jul. de 2019

o nome do abraço


o abraço só nasceu depois do gesto.
o gesto sozinho
era apenas gestação.

teve que vingar
para nascer
antes que o tempo lhe perdesse.

nascido, ganhou nome
que palavras desconhece,
grafado com cheiros,
suspiros, afagos.

existe o abraço,
e existe somente o gesto.

mas existe também aquele
a quem restou guardar a memória do nome
de um jeito que a cabeça não se perdesse.

25 de jul. de 2019

24 de jul. de 2019

gole de luz


a paciência da noite,
que deixa tudo escapar,
sabe deixar que cada coisa
volte segundo seu norte
ao seu devido lugar.

22 de jul. de 2019

herança do tempo


a distância que tomei,
tomei-a para mim,
como bem que se leva consigo,
minha devida herança do tempo.

nela vive a minha vã soberania,
feito o navegante sem-pátria
que encontra chão
mais firme e mais seu
no convés da própria balsa.

vivo na distância que me cerca,
que faz de cada um pequena ilha
e entendo que o mar que me isola
é igualmente o mesmo
que me integra.

19 de jul. de 2019

museu


não tem o teu cheiro,
não tem teu calor,
sequer tua alma ele tem,
como tive, um dia, eu.

e aquilo que ele tem
de ti, musa,
nem é mais teu.

16 de jul. de 2019

lugar


não é tanto pela potência das fontes.
é mais por um direito irrefutável das cores
que tanta luz te chega tanto.

tanto é que nunca é noite
na tenda de tuas pálpebras
e qualquer escuridão
em um piscar de olhos
se apaga.

15 de jul. de 2019

11 de jul. de 2019

moldura


na janela morta onde habitei
a solidão me emoldurava
eu sem saber de nada.

nada se passava, nada eu via
mas o amor mora no tempo
e o tempo por aqui passou.

e foi de encher os olhos
pois foi de encher a alma.
a luz de outra janela —viva!—
dando sopro e vida aos dias.

daquele tempo só restou a casa
onde eu digo que vivi
fotografia.

10 de jul. de 2019

canção pra boi dormir


eles cantam saudades
    elas cantam o amor
e o que canta em mim

no ruminar do ruminar
  da estranha palha seca
 que não quis deixar-se grão
    que fogo algum incinerou
        e que pelejo pra engolir

não é sequer canção:
são arremedos
  reverberados
da solidão.

4 de jul. de 2019


se iludir
é transformar-se noutro alguém,
então desiludir-se também.

extração ilegal


o que justificou a invasão
a separação
o rapto a extração
das meninas sabinas?

foi a sabinada provocada por roma
para esculpir sua população?
não. nada pôde justificar.

nada senão
a mão esculpida
fincada no mármore
da carne dura
quase liberta da pedra

e também a própria carne
da vivíssima nádega
sabina esculpida
pela mão bolonhesa
de um bendito joão.

marreco empolado
bola (vazando) da vez
do pito do pato

2 de jul. de 2019

time-lapse


a flor não tem pressa,
mas também não perde a hora.

por isso que ganhou um outro sentido
e valeu tanto para mim
ter sido só orvalho,
durante o sono das espécies.

1 de jul. de 2019

na geladeira


saber deixar
sonhos
na geladeira

e, quando for hora
de friezas do tempo,
não esquecer:

talvez não haja mesmo
lugar melhor
pra se aquecer.