31 de ago. de 2018

mortemática


das diferenças que somam e convivem
à indiferença que mata a convivência,
a aritmética tem sido não exata.

pela conta que não bate
ou pelo mero faz-de-conta,
por já não levar em conta
ou sequer considerar,

quem vai pagar
pelo peso da borracha
com que se apaga?

alma de pedra


capaz de já ter vindo ingênua
porque vinda das pedras
de conter rio.
loucas
(de tão ingênuas)
pra serem rio.
e fortes
como o rio
que as ordena.

30 de ago. de 2018


a quem brinca de amor,
muito azar no jogo
e incertezas no humor

tempoder


por não saber o que quer,
querer tudo.
e depois desquerer.
e o desquerer
tempoder
sobre a dor do que é?

a cidade é pequena,
a vida é pequena
e com o mundo

nem sei que se passa.
andei três passos atrás.

ainda há lugar pra sentar
aqui no banco da paz.

de longe


fui mensageiro
talvez volte
só mensagem

29 de ago. de 2018

vocação


cacife algum eu teria
para ser o teto
a abrigar-te à cama.
cismaria, maria,
ouvir tua voz de chama
e para atender a tal chamado
eu então desabaria.

representados


eleição:
eles são
o sumo
do que somos.

do calor nasceu a ventania


teu gesto criou o vento
--sereno sem ser lento--
como se aqui já fosse verão
que traz urgências próprias do calor.

era tanta folha tua
balançando só pra me abanar,
que depenada sobrou-me apenas
a matéria invernal e quente
daquela bela imagem nua.

a mão direita


ao se deparar com muros
--bastante eficaz pra labirintos--
não descole a mão direita.

talvez encontre alguma saída,
talvez não haja
respostas.

a esperança é a mão
conseguir fazer alguma cócega.
muros são muito mais duros
que labirintos.

27 de ago. de 2018

adventos


doei todas as cores colhidas
pra ganhar terna desaparência.
acabei adquirindo também poder de vento.
e agora nunca saberás que é minha
a mão que anda acariciando
os teus cabelos.

a cor do sonho


sonho findo?
porque é preciso acordar
e tentar tingir a vida
à cor
do sonho.

inconstante


parado,
sempre chego
ao mesmo
inconstante
lugar.

caminhando,
mesmo não chegando ao lugar,
sempre alcanço infinitos.

26 de ago. de 2018

saco


monstro criado,
vi como se alimenta um vaidoso:
com a bem vinda mãozinha do baba-ovo.
o resultado?
um monstro sem saco.

contínua


tua busca contínua
continua
até que teu olho seja buscado
por aquilo que ele busca

semi


não sou nascido no sertão
mas sou de matéria semiárida
que me esfarela em rachaduras

às vezes de pesar,
quando o meu olho para
e vê o céu se derramar
justo no mar

às vezes de aflição,
quando o sol do teu olhar
resolver dar aos raios fim
justo em mim

23 de ago. de 2018

não pire


a vida,
além disso tudo
que dá pra gente ver,
não é mais nada.

a vida é isso tudo
que dá pra gente ver.
e será que a gente vê tudo isso
que a vida dá pra gente ver?

se estiver pensando em ver,
não veja: beba. mas se quiser
beber, não beba: beije.
dê de volta. faça a volta, mire.

e se for poesia, apanhe!
quando a poesia dá,
não há quem tire.

maravilhado


expulso,
levei o paraíso inteiro
dentro de mim

a cor da rosa


estes são dias em que se dá
murro em ponta de faca
até sangrar a faca

22 de ago. de 2018

eu a um palmo de mim

sempre estou a um palmo de mim
ainda assim minha busca é diária.
é a mim que procuro.
e a vez é sempre minha:

movo peças, me distraio, passo a vez
--como se pudesse, como se fosse
um jogo qualquer (não um xadrez).

não há quem sopre “quente” ou “frio”.
pudesse a vida dar as pistas,
pudesse dizer que perdi as apostas
ou ser cortês que nem mãe nossa:
“se eu for aí e te achar
te esfrego bem na tua cara”

a vida é aquela sábia
bastante eloquente,
mas de falas raras.

haicai xix


por não ser maluco
quem mora no lar da hora
não apressa o cuco

célere


a tarde é preguiçosa
e a vida rápida demais
pra quem na janela se detém.

a cada 7 minutos
vê-se passar o trem
que demorou 14 anos
pra chegar.

tudo é veloz
quando nem sempre convém.

espelhos


Narciso iconoclasta
seria um suicida
em série.

21 de ago. de 2018

empatia


como que por empatia
o sol se pôs
no meu lugar

o segredo da pedra


nossas paredes são frágeis
e toda euforia é um engano.
juntem dois e batam palmas
a três metros e tudo rui.

entre palco e rua,
entre cais e proa,
o que muda é a certeza.

mas aquela flor não lê avisos.
abre-se para a escuta.
e perscruta.

quem sabe à primavera
a gente também tenha ouvidos de flor
e perceba que na pedra não há culpa.

e que dentro da pedra
há um mundo imenso
com seu próprio tempo.
e que a pedra é tudo
menos dura.

frequências


puséssemos enfileirados
como em filas de corais
e não cantariam tão bem quanto
cantam em uníssono seus ais

19 de ago. de 2018

onírica


dorme o amor
na esperança
de um sonho.

dorme-o, amor.
sua esperança
te sonha.

do rio à beira de mim


o amor passa
por mim feito
correnteza.

dá sinais
que não são
para o meu olhar.

pousa o alto monte
em nuvens nuas
e chove. forte.

o amor passa por mim:
efeito da correnteza.

18 de ago. de 2018

16 de ago. de 2018

13 de ago. de 2018

o verbo é verde


plantei minha palavra
no meio das tuas mudas.
agora que tu és bosque,
tento ouvir-te em tua busca.

haicai xvii


a luz na goteira
revela a sujeira pela
chuva de poeira

caem mãos


o sonho é a visita de uma mão
invisível, sem registros de temperatura,
capaz de, em nuvens, escrever sur-
realidades a ponto de fazê-las
derramarem-se na cara
de quem sonha.

o sonho
é água que molha
sem chover.

12 de ago. de 2018


nem tudo está
perdido, eu acho.

cores de verdade


a cor do céu não é azul,
as cores, todas, contêm céus infinitos.
o mar, às vezes dizem,
tem cor de piscina.
aquela menina é cor-de-rosa
e também é rosa a rosa da menina,
mas a rosa flor
tem de tudo que é cor.
tem branco do olho
que é vermelho,
como o do bêbado caído ontem
que disse pra mim:
“sua poesia é bem verde,
o perigo do maduro é a queda”.

minha poesia é bem verde.
verdolenga, verdosa.
de verdade.

11 de ago. de 2018

atravessados


o problema da criação de pontes
não é a distância entre ilhas,
mas o que ainda está
atravessado
antes da travessia.

as formas circulares da vida


a caravana da felicidade
lamentou não conseguir seguir comigo.
que estava indo rumo ao norte, ao lar antigo,
atrás daquilo que sobrou de lealdade.

mas ao sul foi se impondo
sem minhas escoltas.
sei que o mundo é redondo
e a vida dá voltas,

só não desejo que a frota da morte
veja o que eu vi com o meu olho nu:
quem ultrapassa a fronteira do sul
é bem capaz de topar com o norte.

10 de ago. de 2018

de razão


o amor sempre foi cúmplice
do seu próprio nascimento
e nada fez para impedir
que ficassem órfãos
(os amantes)
de razão

o vagar em voga


o mundo é vasto
e eu calço apenas 42.
meu carro, mesmo com calçado já gasto,
sempre se vê passando na frente dos bois.

pra que essa pressa?
e onde se esconde meu bonde,
já que não há mais trilhos ou sequer estribilhos
que engaiolem como engaiolam-nos tanto as promessas?

o mundo é vasto,
números são-nos impostos
--esse refrão gravei a muito custo--
mas hoje meus rumos já isentam-me os vistos.