30 de jun. de 2018

impressionado


hoje mesmo a vi
abraçando um livro
como quem abraça poesia

e por hoje, só por hoje,
eu quis ser um poeta
pra saber deitar a minha vida em versos
página por página e avessos

e assim quem sabe tê-la
colo, braços e apertos:
ela, a minha capa;
eu, o impresso nela.

buque


minha vida
é um livro aberto
mas anda meio complicado
nosso mercado editorial
de maneira que o jeito
é eu tentar dar conta
de ir contando
por aqui

29 de jun. de 2018

banca


saiba: eu estarei aqui.
quero muito que dê certo
o seu romance.

mas se as coisas começarem
a sair do script e a estória
chegar a desandar

e se o final não for
feliz como você queria,

saiba:
eu estarei aqui. mesmo lugar.
a vender suas balinhas de menta,

boas
pra ver filmes de drama
ou comédia romântica,

bons
pra chorar.

flutua


venci a gravidade
deste lugar,
tornei-me leve
e fugi.

e foi lá do alto
que este lugar
mostrou-se a mim
o mais bonito.

venci a gravidade,
mas voltei pra aqui.

28 de jun. de 2018

queimas, afins e tais


fossem só os olhos no olhar, tudo bem.
mas não. num olhar há muita boca.
e o que cada olho consegue refrescar,
a boca (só ela) vem e incendeia.

não à toa
as queimas de estoque
--ventiladores, climatizadores,
circuladores, condicionadores e afins--
em nossos invernos tropicais,
nas chuvas de verão
e tais.

27 de jun. de 2018

Platão e o pêndulo


a vida,
pendurada num fio,
a variar neste balanço constante
entre o tédio do sim
e o sofrimento
do não.

no ponto mais veloz
o amor mora. incrivelmente,
aquele ponto mais perto do chão,
para onde a vida sempre tende;
de onde a vida sempre foge.

pois quando
pára ali,
morre.

instantâneo


o tempo deu um tempo
e sentou do meu lado
pra poder cochilar.

minha vida
passou num filme,
mas acabei virando
retrato.

26 de jun. de 2018

jardim suspenso


enquanto eu penava
molhado de morte,
veio tua boca
soprar-me.

por pulmões inflados
e pela pele seca
a sobrevida também chega
sem quaisquer sinais de orgulho.

mas se essas flores tiradas
já não podem ser
plantadas novamente,
que sirvam-nos então a outro fim.

em quaisquer águas


o transtorno do mar
botou mais água no céu
que no chão.

desatei do barco as velas,
amarrei-as em mim.

antes do meio-dia
te encontrarei
no cais.

25 de jun. de 2018

território


aproximadamente
dois metros quadrados
de área (apenas de superfície,
a profundidade não foi mensurada).

sempre requer cuidados,
mas sabe cuidar
e se cuidar,
ou seja,
autossustentável.

com área gourmet,
com área privê,
com deck molhado
e com vista ao que der.

não está à venda,
não está para aluguel,
portanto,
a ser conquistado.

traçado


mais apressado que eu
é o meu caminho traçado:
já sabe bem como chegar,
e observa-me achando engraçado.

24 de jun. de 2018

austral


no céu, um rasgo
do extremo leste ao mais oeste,
despetalando as rosas e os ventos,
descendo bem convexo até meu queixo,
só pra arrancar-me um riso

tão iluminado
que até um sol se assombra
e perto dele vira sombra

eis a força do sorriso
que o meu sonho
rabiscou pra mim

astrolabial


no vácuo do espaço
todo som é mudo.
ou saberíamos de tudo
que rola entre seus astros.
com algum atraso, é verdade,
dadas as distâncias tantas
e a tão pouca velocidade.

fofoca aqui corre velozmente,
mas quem diz que ouve
essas cabeludices
todas que eles dizem
se ilude ou então mente!
(eles não falam com gente)

e como eu sei disso tudo
se daqui ninguém os ouve?
oxe! eu sei ler os astrolábios.

23 de jun. de 2018

confusão adversativa


eu acho
que sei tudo,
mais
eu não posso saber

truques e trocos


se por ventura um dia
eu deixar de crer no amor,
prometo não usar meus truques
com aqueles que continuarem a crer.

da minha caixa de mágicas
e de todos meus baralhos
sempre descartei as copas
pra nunca ter que envolver
corações.

22 de jun. de 2018

com quem estar


na escola
ele era o menino
que nunca insistia
--ou sempre desistia--
ao se deparar com
concorrências acirradas.

do tempo de escola
ele talvez tenha
faltado aprender
a deixar de ser menino,
a lutar para vencer.
e essa foi sua maior
conquista.

21 de jun. de 2018

passageiro


tudo tudo é passagem,
nós passageiros.
futuro pouco,
meu presente primeiro.

passagem


sei que a paz não depende
de estações.
mas também sei que foi
em primavera tão pequena
que eu encontrei paz tão imensa.

primavera é a próxima estação,
o inverno mal começou.

mesmo ao vento frio, resolvi deixar
a janela deste meu vagão
já aberta.

20 de jun. de 2018

vida cabedal


era a Terra!
esse tempo todo sem que eu visse
e era a Terra quem estava a caminhar
e a fabricar seus próprios dias.
girando e rodeando no vazio.

e essa terra que me margeia, então?
não. não é ela que se move.
não há rio por baixo dela.

de minha canoa e de meu remo,
dessas águas e da terra em espera,
vi que há alguma honra em meu braço
pra também cavar do rio meus próprios dias.

decaimento


também é próprio deste tempo
plantar sem poder colher
e ver cair do pé
o que não se plantou.

e tanto é verdade que
a última coisa deste tempo
a ser colhida é o próprio tempo
-- que ninguém nunca viu ser plantado.

19 de jun. de 2018

mulher de palavra


pobre velho menino,
a ti não é mais preciso
que eu dê a minha palavra
porque já nem minto.

não para ti.
já que tu moras
bem onde mora
toda minha mudez.

trovas e trovões


toda chuva
deixa suas pegadas.
e não existe história
que o Sol queira contar
pra negar a dança
que dançou-se
no céu.

sinais do tempo


na seca há duas sinas:
uma é virar barro.
a outra é virar nuvem.

fui dormir e sonhei.
e sonhar já é sinal claro
de que virei nuvem.

pois não é que quando acordei
o chão estava marcado de dança
--que é quando os pés chovem--
e o mandacaru marcado de riso?

18 de jun. de 2018

mas fingem tão bem


de minha gente
consigo oferecer alguma beleza
--com ou sem dramas--
e um pouco até de sabedoria.

mas promessas e previsões?
verdades e convicções?
aconselhamentos? (!)
eu não aconselharia.

os poetas comem de mãos sujas.
e os que ainda não comem
devem estar morrendo de fome.
mas fingem tão bem!

somos


tem gente que leva um sonho
a vida inteira. tem gente que
vem um sonho e leva.

aonde nos levam
e quem é que
nós sonhos?

robot


ouvi teus passos
ouvi o som de tua voz
ouvi até o tom de teu cheiro
mas não foi tua mão que me resgatou
foi um maquinário estranho frio seco que
depois seguiu following automatically
e que rumou aos random likes
e sumiu-te

pensei memorizar o local
“talvez eu precise voltar
para que minha mão
possa me resgatar”
mas não mais

o abismo havia furtado-me
agora fico pensando
“o que te roubou?”

garganta


respiro o vento e
respiro quem o soprou
até mim

onde estou
--e percebo que
foi preciso estar aqui--
o vento sempre vem de cima

e posso saber
finalmente
que este é o único ponto
de onde tudo pode (re)começar

previsões


em todo mergulho,
a água mergulha junto.
não mergulhasse,
seria somente queda
ou fundo seco de poço fundo.

assim foi que distraí meus dias:
a recontar moedas jogadas
levando desejos
ao fundo do poço fundo de mim.
distrações até que voltassem as águas.
as que vazaram na baixa maré.

a propósito,
alguém pode ver para mim
se há chances de chover
chuva de inundar?

passarada


a trajetória da palavra
parece passar de raspão
pelo seu coração?
não viaje, rapaz!
a palavra que viaja
já tem certeira
destinação
e você é o tal ponto
por onde a curva
se curvou
para passar.

17 de jun. de 2018

bandeirola


eita que essa noite a gente dançou
que a perna chega ficou bamba
e o céu inteiro abandeirou-se
e até faltou o que respirar

e nem foi de pé
que a gente dançou
eita!

dois alvos


o coração do homem é flecha:
quando dispara, ou acerta ou se perde.
uma vez disparado, torna-se alvo.
necessita que o próprio alvo
o acerte.

mira ruim


quando você diz
“manterei a cabeça focada”,
eu ponho a mão
no coração

16 de jun. de 2018

dois aqui, dois acolá


que me perdoem
os prolixos do forrobodó,
mas é no passo miudinho
da palavra pouca ao pé do ouvido
que se fala todo o essencial

desmandos


meu lugar no mundo
se resume a onde
faço sombra

à noite
temo em sonhos
ser dono de meio mundo

15 de jun. de 2018

ares e pios


fio a fio
de tua vegetação inteira
erguidos pela mão da palavra
que liberta aos ares teus animais
sem precisar emitir
um pio

criação


"vai que vira arte
vai que vira vida
vale até biografar-te
vale até dar uma lida"

um mantra.
cantarolando
enquanto as coisas
não se criam,

deus não tem lembranças
de que é deus.
crianças já não lembram
o que é medo.

por hábito,
continuam chamando-o
homem-do-saco.

14 de jun. de 2018

reprogramado


subornar a memória,
dos desejos forjar lembranças
e a saudade converter em obra
meramente ficcional e inédita,
até que a vida venha
imitar a arte.

13 de jun. de 2018

na bruxa


quem atira pra todos os lados
sempre assusta com
tanto pipoco

solo


feridas das solas dos pés
carregando-me
para todos os lados.
revelá-las não preciso, a ninguém.
e nem quero.
você as conhece. só.
só você sabe que não há cura.
e só em seu chão elas
nunca foram
feridas.

enquanto não vem


eu não vim
antes de tudo.
depois de mim,
muito há o que vir.

nunca fui prelúdio
muito menos poslúdio.
sou as distrações dos meios
que não sabem justificar
meus tantos fins.

12 de jun. de 2018

disto e distâncias


quando estou no teu olhar,
namoro tudo o que em sonho alcanças.
se estou aos teus pés,
namoro todas as tuas andanças.
se avisto aqueles teus cabelos,
me emaranho e namoro as tuas tranças.
mas quando tenho apenas tua ausência,
só posso namorar minhas lembranças.

11 de jun. de 2018

como se fosse o primeiro porre


se um dia eu voltar a amar
--assim soluçava o menino
vestido de velho viúvo
diante do amor falecido--
eu juro que nunca mais
vou ter medo de nada

não era o menino,
era o medo a chorar
ao ver da prisão
que o amor não morreu,
ganhou liberdade.

água e sal


eu me derreti
quando ela tocou-me
só com seu olhar

e então entendi
quando ela tocou-se
e o rio virou mar

a ubiquidade do amor


“o amor é aquele uber bem acabadinho, sempre por perto, no qual você embarca fugindo da chuva e tem que ouvir do rádio alto música que às vezes não te apetece (a culpa é da estação), mas te oferece ar condicionado que não gela (a chuva pelo menos não entra) e balinha (não, obrigado). até chegar ao destino, é cada caminho, rapaz... mas chega, sim. chega.”
isso foi o que me disse
o motorista hoje de manhã.
não deu tempo de concordar. destino.
a porta quase não me deixa sair.
dei cinco estrelas.

personas


dialogo constantemente comigo
e sempre há quem passe por perto
achando que é consigo.

se eu sou um louco?
se sou sozinho?
besteirada!

como qualquer um,
eu sou um caminhante
e o caminho.

10 de jun. de 2018

algo de mim


o que restará de mim?
depois de tudo que entreguei
--mãos, olhos, verdades, alma--
de mim, o que vai restar?

eu digo:
porque sei que nada se perde assim,
ter me entregado inteiro terá feito
restarem dois de mim.

logo, talvez seja esta
a pergunta certa:
sobrará algum eu
para mim?

8 de jun. de 2018

biografaram-me


alguém me disse
que eu ganhei biografia
e eu perguntei-me se era mesmo eu.

porque vestiram de tal realeza
o que nem de longe passa por real.
e foi tanto enredo que rendeu
que eu perguntei-me se era mesmo eu.

e perguntei principalmente
pois chegou também aqui
que o folhetim vendeu (!)
e o personagem
ao final daquela saga
nem morreu...

será que aquele
era mesmo eu?

7 de jun. de 2018

cantiga


todo o restante silenciado
para que o seu cheiro
seja a cantiga
solitária
no ar

recua a noite, ousa o dia


dormir à porta
e à hora certa
ousar batê-la
mesmo sob
a intimidação
do sim

intimidado


encontrar porta fechada:
encontrar convite.
da maçaneta
à mão.

encontrar porta
e vê-la fechar-se:
desabitar o íntimo lar.
a convite de
um não.