28 de jun. de 2020


involuntário o ato de voar
como se de asas fosse o coração

bater e bater e bater

até cansar
ou virar canção

25 de jun. de 2020


o gelo que queima mais que o fogo
o apelo que põe a perder todo o jogo

isso é tudo que eu não quero

afasto-me do que venero
alguns deuses só existem de longe

24 de jun. de 2020

no vão


vão-se as carícias
delícias, bobagens
vão-se as esperas
quimeras, vantagens

assuntos ainda intocados
gestos amiúde trocados

vão-se presenças
vão-se alguns medos
vão-se os anéis
ficam segredos

mal amanhece
cega-me como areia
falso é dizer
que encontrei-a

goteja o dia
minha ânsia desfila
ela é quem sabe
desvesti-la

já noite, enfim
flagro-a virando estrela
somente assim
para tê-la

23 de jun. de 2020

exceto eu


aqui em casa
não tem ninguém
que me ache o melhor

ou pior.
aqui em casa
não tem ninguém
que me queira bem.

mas ainda bem:
aqui em casa
não tem ninguém.

19 de jun. de 2020

cruzeiro


pela estrela do sul guiada
vai a ave noturna, soturna
na noite também escura
e de silêncios e de ventos

e eu, logo atrás, rente
com tudo que me pertence, sigo-a
apenas com meu olhar

adoçado


desacatou-se, pecou-se,
não por fruta que fosse podre,
mas justo por ter sido doce.

que sabor o não-saber?
maior sabor ainda
--sente a língua--
o de grilhões abrir.

18 de jun. de 2020

entardecida


à saudade entardecida
tomando forma de lembrança
pela memória obscurecida

talvez gotas de agora
como as gotas deste orvalho
à ramagem ressequida

deidade


nebulosa borboleta
senhora da gravidade e da leveza
onde pousas tuas asas
senão na face
da própria deusa?

17 de jun. de 2020

halenitum


age, coração!
sempre foste de coragem.
e o teu alento,
teu próprio respiro
lento.

então, age:
descansa.
coragem é tirar o traje
da tempestade para uma dança.

13 de jun. de 2020


o sítio
do ofício
sem sócios,

do cio,
do vício
e do ócio,

é meu domicílio,
é um hospício
ou já será meu fóssil?

12 de jun. de 2020

ainda que tarde


o que ainda arde
ainda arde.
ao amor pouco importa
se já é muito tarde
e até do tempo se desgarrou.

se ainda arde,
ainda arde.
e nem um inseto se importa
onde o ferrão desgarrado ficou.

11 de jun. de 2020

solas de barro


vagas luzes
tudo no caminho é turvo

curvos, os postes
revelam apenas o estado
de seus próprios pés

10 de jun. de 2020

tenho sonho de ribeirinho:
presenciar o rio a descansar,
ver a outra margem
me vencer em remadas.

9 de jun. de 2020


sou eu o mesmo pódio
aonde em ondas de amor e ódio
fogem de suas rotas
tanto as vitórias como as derrotas