31 de jan. de 2007

nossa bandeira, vaso teu?



mijaram no "lindo pendão da esperança",
no pano que ainda é sem manchas e intacto,
no símbolo casto de um povo que amansa
sua alma arranhada de espinhos de cacto

as águias de garras pseudo-soberanas
não podem querer desbotar a viveza
da arara pintada em rubi e turquesa
co'as águas imundas norte-americanas

que mijem nos copos dos filhos da guerra
forjada pela insanidade cruenta,
mas não na bandeira que "tão sempre" agüenta
secar este prantos dos filhos da terra


(a imagem é do ilustríssimo Osvaldo!)

29 de jan. de 2007

pranto de mulher



até pode fazer tudo o que bem quiser,
mas o único direito que você não tem
é armar essa censura a um pranto de mulher,
às lágrimas choradas pelo teu desdém.

e, veja, não se trata duma vagabunda
que pede teu desprezo para o próprio bem;
nem falo, aqui, também duma pedinte imunda
clamando caridade, sem ter um vintém;

refiro-me, abestado, a quem sempre sofreu
do amor (que ninguém mais conseguirá te dar)
jogado nu'a cadeira da sala de estar,

vivendo da tristeza que lhe anoiteceu.
não digo que se porte tal Édipo Rei,
porém magoar a mãe te faz fora-da-lei.


(a imagem é do ilustríssimo Osvaldo!)

25 de jan. de 2007

coisificando-me



caminho no escuro
(confio mais em meu passos
do que no próprio chão
onde piso)

esforço-me em minha prisão,
tateio o vento,
sinto o ar

penduro-me nas nuvens
e multiplico-me
em possibilidades,
volátil que sou

comprimo-me,
expando-me,
sumo,
mas sou!

(e, assim,
vivo sem nunca desistir,
sem nunca deixar de pulsar,
já que alguém tem de existir
nem que seja por um breve momento

logo eu, que sou
meu próprio pensamento)

23 de jan. de 2007

preço do brilho



gira a menina,
baiana que roda
bolsinha na praia
de Amaralina...

a vã maresia,
o afã por prazer,
mistura de areia
com cana e dendê

baiana retinta,
"parlez-vous français"?
avia, menina,
leva o teu patuá!

que o preço do brilho
da faca que finca
nas tuas entranhas
o dólar é quem banca

e roda a menina,
e sangra e vacila,
baiana que deita
sem vida e sem cama


(imagem gentilmente cedida pelo overmano Osvaldo, que desafiou-me a escrever este texto)

lamentavelmente



podia ser tão diferente...
podia ser pra cima,
podia ser pra frente!

mas o diabo de tua língua,
o veneno amargo de tua língua
põe qualquer um pra baixo,
qualquer um pra trás.

seduz e enfeitiça quem te ama,
e sem nenhum pudor escraviza
até sugar todo o sangue da vida

ou então apaga e aniquila
e derruba toda a estima
de quem não te satisfaz.

podia ser tão diferente...
podíamos não ser indiferentes,
mas se quer ficar nessa,
fique!

estou indo pra cima,
estou indo pra frente!

17 de jan. de 2007

um pedreiro

onde já se viu,
onde já se viu?

um pedreiro
e sua colher
misturando o cimento
e com leves movimentos
fazer alguém chorar,
quem já viu?

atira algumas colheres,
raspa a sobra,
alinha a massa...

enquanto o povo encara
e se comove,
e em soluços
raspa as lágrimas
que fartam nas caras,
quem já viu?

pois eu vi
e me permita consertar.
não é pedreiro,
nem é artista...
a sina desse homem é ser coveiro,
a sina desse homem é enterrar.

poetinhas



não passam de poetas amadores...
uns bestas que mais sonham do que são.
inventam ou enxergam tantas cores
da vida em tons de cinza e sem refrão.

complicam-se em caçar milhões de rimas,
de cima dos telhados da ilusão,
co's olhos que perseguem feito arpão
donzelas e alvas nuvens bailarinas.

-- mas nunca, nunca deixem, amadores,
de andar e amar até faltar a tinta
que marca essa incerteza tão retinta,
queridos, que do amor são professores.

9 de jan. de 2007

soteropoli-trânsito



sob buzinas irritantes e irritadas
levantei sonolento e zonzo,
fui ver quem queria me acordar...

vi o que poderia ser uma miragem
da selvageria
do trânsito
soteropolitano
personificada num estúpido corcel...

mas bem que podia ser também
um pobre cavalo tonto
assustado pelo mesmo trânsito
que não deixa ninguém cochilar!

8 de jan. de 2007

nos playgrounds da lembrança



anda depressa,
o interfone vai tocar!
tamanha pressa
sangra o tempo sem 'stancar...

toca mais uma
que a galera toda, em coro
qual militantes,
cantará um bom agouro!

a roda nossa,
tão repleta de cantores,
compositores
e meninas que amam bossa...

de apaixonados
por cultura popular,
de entusiasmados
por bem mais de um rock star...

tem gente besta
pra chorar e pra sorrir,
peru-de-festa
e até quem nunca mais vi!

fica um pouquinho,
que o relógio amalucou;
bebe esse vinho
que o passado nos deixou.

e caso queiram
esvair-se essas lembranças,
desça mais fundo
nos porões das remembranças

pois nos playgrounds
que habitavam saltimbancos
só restam grades,
o interfone e velhos bancos.

(dedicado aos amigos da juventude, principalmente os que viviam nos playgrounds do Quintas, regados a violão, vinhos e afins)

2 de jan. de 2007

pobre soneto aos pequenos



das lágrimas dos infantes
sinceramente choradas,
doem-me as desamparadas,
sujas e deselegantes.

falo das descamisadas,
não das superprotegidas
nem das que, sempre mimadas,
nunca foram desvalidas.

choro por vidas bandidas:
dos centros são rejeitadas,
nas ruas são agredidas.

choro por barrentas lágrimas,
de esperanças descalçadas
em quente asfalto de lástimas.